fbpx
Início » Cirurgia Refrativa vs. Glaucoma: Fake News ou Domínio do Fato?
Glaucoma

Cirurgia Refrativa vs. Glaucoma: Fake News ou Domínio do Fato?

Artigo de Glaucoma – Edição 172

Editor da seção: Victor Cvintal

Debatedores:

GLAUCOMA

Wilma Lelis Barbosa (WL)
Ricardo Paleta Guedes (PG)

CIRURGIA REFRATIVA

Renato Ambrósio Jr. (RA)
Bruno Fontes (BF)
Sérgio Kwitko (SK)
Edmundo Vasconcelos (EV)
Marcony Santhiago (MS)


Há algum tempo, criou-se a ilusão de verdade para a afirmação de que estes dois temas – cirurgia refrativa e paciente com glaucoma – fossem tópicos heterogêneos e imiscíveis. Passados vinte anos do início da cirurgia refrativa a laser e décadas depois das cirurgias refrativas baseadas na córnea e no cristalino, muitos estudos relacionados ao tema foram feitos, permitindo que fossem tabulados e analisados o entendimento dos mecanismos de funcionamento e os resultados a longo prazo.

Este artigo da OF Glaucoma aborda diversos tópicos relacionados ao tema com a finalidade de compor um painel amplo e abrangente. Influentes especialistas em glaucoma e cirurgia refrativa dão seus depoimentos de forma a registrar as dificuldades/dúvidas mais comuns e dar sugestões de como abordar esse assunto no dia a dia do consultório. Note-se que não há posição certa ou errada, mas opiniões distintas que enriquecem o debate.

A intenção é que os cirurgiões refrativos exponham suas dúvidas, os mecanismos de funcionamento e como encaram esse paradigma, enquanto os especialistas em glaucoma salientem como enfrentam o assunto, principalmente no acompanhamento e diagnóstico do paciente. Os depoimentos foram tomados pessoalmente, via telefone, WhatsApp ou e-mail e as entrevistas serão reproduzidas na sua forma original, como uma conversa informal.

GLAUCOMA CRÔNICO DE ÂNGULO ABERTO É CONTRAINDICAÇãO PARA CIRURGIA REFRATIVA?

BF: Na imensa maioria das vezes, sim; mas em certas situações específicas depende…

QUAL É O PONTO DE VISTA DOS ESPECIALISTAS EM GLAUCOMA?

WL: Na verdade, não é uma situação muito frequente porque os pacientes com glaucoma de ângulo aberto são mais idosos e nesses casos há menor oportunidade de discutir esse assunto. No entanto, não acredito que o simples fato de ter sido constatado o glaucoma seja um critério de exclusão propriamente dito, pois precisamos saber quais as repercussões que a cirurgia refrativa terá nesse olho. Se a cirurgia refrativa vai atrapalhar ou interferir na medida da pressão intraocular, preciso saber como era essa pressão antes e que mudança essa córnea sofreu para poder refletir sobre essa solução. A cirurgia, por si só, não é um problema. é mais problemático quando o paciente tem glaucoma de ângulo aberto, nos glaucomas juvenis, ou em pacientes mais jovens, em que há mais risco de não conseguir detectar uma pressão elevada e outras comorbidades associadas.

PG: Depende de cada caso. Se o paciente tem história de glaucoma muito evolutivo (descontrolado ou glaucoma inicial com pressão muito alta ou algum indício de que esse glaucoma no futuro possa piorar), eu desaconselho a cirurgia. Por exemplo, quando o paciente tem uma córnea muito fina, ou história familiar, ou se tem a pressão muito alta. Contudo, se ele tem um glaucoma muito inicial, bem controlado com medicação, ou se o paciente é hipertenso ocular, nesse caso, não contraindico a cirurgia, se ela for muito benéfica para ele. Por exemplo: se o paciente é muito jovem, tem uma miopia alta, trabalha numa atividade em que os óculos são um problema para ele e se o benefício da cirurgia refrativa for muito grande nesse ambiente, nesse caso, eu não contraindico a cirurgia. Mas, se o paciente já é mais velho, com a perspectiva de uma cirurgia de catarata a curto/médio prazo, mesmo que seja uma facorrefrativa, nesse caso, prefiro esperar um pouco e indicar uma facorrefrativa em vez de realizar uma cirurgia corneana.

E PARA O SUSPEITO DE GLAUCOMA?

WL: Essa mesma lógica eu seguiria para aquele paciente que é suspeito ou tem fatores de risco para glaucoma, como história familiar, por exemplo. Essa é a situação mais frequente no consultório. São pacientes um pouco mais novos, com um disco óptico suspeito e que têm um familiar com glaucoma. O disco óptico é o mais frequente nessa situação. Não contraindico o procedimento, mas, enfatizando que o glaucoma é uma neuropatia óptica, é preciso documentar muito bem esse nervo, de maneira objetiva e subjetiva, para que no futuro eu possa ter certeza de que está ou não havendo glaucoma.

QUANDO A SENHORA FALA EM DOCUMENTAR, COMO O FARIA NESSE CASO?

WL: Basicamente penso numa retinografia e num OCT.

QUEM SÃO OS PACIENTES?

QUAL É O PERFIL PSICOLÓGICO DO PACIENTE JOVEM DIAGNOSTICADO COM GLAUCOMA OU SUSPEITO DE GLAUCOMA?

WL: Existem artigos científicos mostrando que os pacientes com glaucoma tendem a ter mais ansiedade e depressão. é um fato. Isso nos mais idosos, em que temos o glaucoma mais tradicional. Já no caso de pacientes mais

jovens, suspeitos de glaucoma ou diagnosticados com glaucoma, é frequente que eles negligenciem o diagnóstico ou o tratamento mais do que os mais idosos. Tais pacientes são menos propensos a terem uma doença crônica da qual tenham que cuidar de forma sistemática. Percebo um abandono maior do tratamento nos pacientes mais jovens do que nos mais idosos e o paciente que faz a cirurgia refrativa, via de regra, depois da cirurgia refrativa desaparece do médico. Ele ficou bem, não precisa trocar os óculos, então esse é um paciente que você vai ver de novo quando ele começar a ficar com presbiopia.

Isso é um grande problema e significa que o paciente que tiver algum tipo de suspeita, ou que já for realmente doente e precisa fazer a cirurgia refrativa, necessita de uma orientação muito intensa nesse sentido: para ele deve ficar bem claro que está cuidando de uma parte e não do todo.

BIOMECÂNICA DA CÓRNEA

QUAL É A IMPORTÂNCIA DA PAQUIMETRIA NO PACIENTE SUSPEITO DE GLAUCOMA OU JÁ DIAGNOSTICADO?

WL: A paquimetria passou a fazer parte do nosso raciocínio em termos de pressão intraocular. Sempre considero uma paquimetria ultrassônica, se estou tendo uma mensuração da pressão real ou com erros para mais ou para menos. E é isso que vai me nortear também quando penso numa cirurgia refrativa. Você tem um paciente com a córnea dentro da normalidade, mas ela poderá ter um afinamento, e eu considero que possa haver uma subestimação, mas sem estabelecer nenhum tipo de regra, nenhum tipo de cálculo para corrigir a pressão intraocular.

QUAL É O EFEITO DO LASER NA BIOMECÂNICA DA CÓRNEA?

A cirurgia refrativa altera a biomecânica da córnea. Recebendo um paciente desses, que cuidados tomaria, pensando num futuro paciente com glaucoma? As aberrações corrigidas ou geradas poderiam alterar o exame de campo visual ou o teste de contraste?

BF: Sim, a cirurgia afeta muito. O aspecto mais importante é a retirada de tecido no estroma anterior – onde se encontra a camada mais resistente da córnea. Não há correlação entre profundidade de ablação e paquimetria residual. Fiz um estudo sobre esse assunto, nesses pacientes, e a pressão intraocular aferida pela tonometria de aplanação de Goldman não pode ser considerada como o fazemos com pacientes sem cirurgia refrativa prévia. Assim sendo, o acompanhamento é melhor realizado por meio de testes funcionais (campo visual clássico, FDT etc.) e anatômicos (estereofoto de papila, OCT, HRT3 etc.) do que “somente” pela pressão intraocular. Pacientes submetidos à cirurgia refrativa corneal apresentam aberrações ópticas, que levam a alterações na sensibilidade ao contraste – mas elas não comprometem a realização e a confiabilidade do teste de campo visual.

As variações de tensão ocular, no pós-operatório imediato, teriam relação com o acúmulo de líquido na interface e na miopização artificial do caso?

RA: O PISK (Pressure Induced Stromal Keratitis) ocorre em função de um aumento da pressão ocular tipicamente ligado ao uso do corticoide em um paciente que tem um corte de flap recente. Essa síndrome leva a uma falsa condição de DLK (é confundida com DLK). Na ceratite lamelar difusa (DLK), o tratamento foca o uso de corticoide. Já no PISK, o cliente apresenta um quadro típico, com uma história que se arrasta, que não melhora com o uso de corticoide e, eventualmente, até sofre vários levantamentos do flap sem melhora da ceratite. Esses casos têm em comum o fato de ser a medida da PIO relativamente baixa, pois a medida da pressão é feita com o tonômetro de Goldman no centro da córnea. A melhor forma de avaliar esses casos é com a história clínica e com a tensão bidigital. Isso permite o diagnóstico sem necessidade de uma propedêutica avançada. O OCT, o Scheimpflug, ajuda muito na documentação da espessura da córnea e na coleção de fluido.

Contudo, muitas vezes, não há uma coleção de fluido, mas uma alteração da densidadeda interface com uma pequena coleção de fluido, mais seroso e mais volumoso. Nos casos que acompanhei, consegui reverter o problema sem causar lesão do nervo. Na literatura, há casos descritos em que ocorreu a evolução para um glaucoma bem avançado por falta de diagnóstico e perpetuação da hipertensão pelo uso do corticoide. Lembro o caso de um paciente do Equador que apresentava o quadro acima descrito: fiz o diagnóstico pelo telefone e pedi para usar Diamox; quando ele chegou ao Brasil, já estava enxergando e achou que eu tivesse feito um milagre. Era só a experiência de ter lidado com essa condição outras vezes: o paciente tinha PISK, e a lição, no caso, é saber que o paciente tem uma resposta ao corticoide, e deve-se conduzir a questão com uma propedêutica completa de glaucoma, controlando a pressão da melhor forma possível.

A cirurgia refrativa altera a biomecânica da córnea. Recebendo um paciente desses, que cuidados tomaria?

PG: Eu faço a avaliação normal, meço a pressão intraocular no tonômetro de Goldman, faço uma paquimetria, procuro saber o histórico da cirurgia refrativa, se ele tinha miopia, se ele tinha hipermetropia, o grau que ele tinha antes, avalio a ablação que foi feita, se mais central ou periférica na córnea e, com isso, tento fazer uma análise teórica de quanto aquela córnea estaria influenciada pela CR. Aqui na clínica, não temos o ORA, mas temos o Pascal. Nos casos muito suspeitos, em que achamos que a PIO está sendo muito influenciada, eu meço a pressão no Pascal. Se for um caso de rotina, que não mexeu tanto na córnea, com ablação pequena , PIO bem controlada, mas glaucoma não controlado, às vezes não uso o Pascal. Deixo o Pascal para casos mais suspeitos (suspeitos de terem tido uma ablação da córnea muito grande, com nervos que, mesmo com pressão baixa, têm sua escavação progredindo). Na rotina básica, uso o tonômetro de Goldman, mais a paquimetria e o histórico da cirurgia refrativa.

A ablação intraestromal seria uma melhor opção para os glaucomatosos?

RA: O SMILE é uma cirurgia nova que tem algumas vantagens, uma delas sendo a menor alteração da biomecânica da córnea.

Tecnicamente, pode-se considerar que a ablação do SMILE produzirá uma situação em que a medida da PIO será menos alterada. O IOPB do Corvis não muda nem no PRK, nem no SMILE, nem no LASIK. Não me atreveria a dizer que o paciente que tem glaucoma precisa fazer o SMILE; diria que isso tem que ser avaliado do ponto de vista do risco e benefício. O paciente tem que entender que essa questão da medida da PIO pode ser alterada tanto no SMILE como no PRK.

TONOMETRIA

A TONOMETRIA DE APLANAÇÃO É CONFIÁVEL APÓS A CIRURGIA REFRATIVA? COMO MEDIR ESSA PIO?

RA: Na minha opinião, sou bem pragmático com isso. Acredito que as limitações da tonometria de aplanação de Goldman são conhecidas desde o artigo escrito por Goldman e por Smith no século passado. Acredito que precisamos evoluir na avaliação da PIO, e certamente ela não é confiável. Algumas medidas podem ser aferidas de forma mais confiável na região periférica da córnea, tipicamente na região nasal inferior, mas isso é bastante variável de técnica para técnica. A cirurgia refrativa e o HTS evidenciaram a relevância da variabilidade da biomecânica da córnea na medida da pressão intraocular. Isso mostra que qualquer córnea tem influência na tensão da medida ocular e essa medida tem que ser eventualmente considerada de acordo com a biomecânica. é importante entender que a metodologia para medir a pressão evoluiu, mas a maioria dos trabalhos de glaucoma são relacionados com a de Goldman. Contudo, acredito que o tonômetro de contorno digital, o Pascal, o Ocular Response Analyser (ORA) e o Corvis são metodologias de medir a pressão melhores que o Goldman. No entanto, é um parâmetro que foi muito menos estudado para medir a PIO. Eu gosto muito do conceito de avaliação do glaucoma do ponto de vista da condição morfológica e funcional do nervo óptico (CV, retinografia, OCT, HRT, etc.), mas acredito que a tonometria de aplanação não seja confiável na cirurgia refrativa. Na maioria das vezes, pode funcionar, mas tem-se que saber as limitações dessa propedêutica.

COMO O PENTACAM OU O CORVIS PODEM AJUDAR NO CONTROLE OU ESTUDO DA PIO NESSES PACIENTES?

RA: A tomografia do segmento anterior pode ser interessante para avaliar de forma objetiva a câmara anterior e o ângulo iridocorneano, possibilitando um screening de paciente que tenha maior chance de desenvolver um glaucoma agudo. Publicamos um trabalho em que Ruiz Simonato mostrou uma correlação do volume da CA e ângulo medido pelo Pentacam com o aspecto gonioscópico. Pode-se analisar antes e depois da cirurgia de catarata e notar que a redução da PIO pode ter uma associação interessante com essa variação da CA depois da cirurgia. O Corvis é um tonômetro com uma câmera de altıś sima velocidade Scheimpflug, que monitora a deformação da córnea durante a tonometria de não contato por um jato de ar. Analisa vários parâmetros da deformação que são usados para calcular uma pressão compensada pela biomecânica da córnea e é relativamente único, uma vez que outros métodos usam cálculos matemáticos de modelagem finita sem considerar as propriedades intrínsecas da córnea, para se ter uma correlação menor com a pressão e a paquimetria. Com o IOPB demonstrado pelo Corvis, produz-se um modelo finito que explora o comportamento da córnea estrutural e a medida será compensada pela córnea. O ORA faz uma medida, o IOPcc, com uma constante que foi criada para ter uma menor correlação com a pressão e a paquimetria. Esse é um método mais indireto, e o que temos no Corvis é um método mais direto.

OUTROS TONÔMETROS QUE NÃO USAM A APLANAÇÃO SERIAM MAIS CONFIÁVEIS? ONDE SE ENCONTRA O ORA?

BF: Sim. Em diversos estudos, a tonometria de contorno dinâmico (Pascal) se mostrou mais confiável e reprodutível do que a de aplanação. Acredito que esse deva ser o meio de acompanhamento ideal em relação à pressão intraocular nesses pacientes. Pena que seja caro e só esteja disponível no dia a dia para um número reduzido de médicos. O ORA não deve ser utilizado como fonte de informações para o manejo do paciente com glaucoma. é uma tecnologia ainda em desenvolvimento, com limitações. Sobre esse assunto, tenho bastante fundamentação.

NO DIA A DIA DE SUA CLÍNICA

Como medir a PIO?

WL: Consigo usar alguns outros tonômetros que às vezes a gente usa até para fazer uma comparação, mas na verdade o que acho relevante é usar o Goldman: se eu estou medindo sempre com o mesmo tonômetro, se eu sei que a córnea variou de espessura, eu estou tendo um parâmetro que vai me acompanhando e acho que é suficiente. Lembremos que no tonômetro de Goldman a gente está falando de espessura, mas se o paciente tiver um astigmatismo mais alto também ele precisa ser modificado para que a mensuração seja adequada. Entramos no campo da relação da córnea com a pressão intraocular.

Quando a imagem da aplanação é irregular e não confiável, haveria algum recurso para torná-la mais legível?

PG: Quando a córnea é muito irregular, fica limitante fazer essas medidas. Se o astigmatismo for muito grande tentamos ajeitar o eixo do astigmatismo da córnea com o do tonômetro. Mas, se a mira é muito irregular, peço para o paciente piscar bastante, para tentar manter um filme lacrimal mais estável e poder aferir essa pressão com uma mira mais regular. Agora, se de todo ela for muito irregular, procuramos, com base na experiência, fazer uma média de onde estão as miras para inferir qual seria a pressão. Como outro recurso, quando a córnea é irregular demais, tenho o Tono-Pen do meu lado.

Usa algum fator ou fórmula para corrigir o número tensional de aplanação? Tem relação com o grau de ametropia corrigida ou a técnica?

PG: Não uso fórmula nenhuma, imagino que se a córnea estiver fina demais ela estará subestimando a PIO. Sabemos que não é só a espessura da córnea que está alterada, a resistência dela também. Intuitivamente, assume-se que quando a ablação for muito grande, se mexeu mais na córnea, ela perdeu mais a resistência. Então a PIO estará mais influenciada pela córnea.

PARTICULARIDADES DAS CIRURGIAS

CERATOTOMIA RADIAL

Sabe-se que a variação da tensão ocular altera a ametropia (esfera, cilindro). Na ceratotomia radial, pode-se usar esse efeito em seu benefício?

RA: Realmente a variação da PIO pode aumentar a hipermetropização durante a manhã nos pacientes com ceratotomia radial. Isso é bem caracterizado. Fizemos um trabalho que correlaciona a variação da hipermetropia de manhã e de tarde com a baixa histerese e com alguns outros parâmetros como o sinal de waveform do iTrace. Esse estudo ressalta que há uma biomecânica alterada e que existe uma variação da ametropia residual da córnea e da performance visual do paciente de acordo com a variação da pressão. Quanto mais alta a pressão estiver, maior será o aplanamento da córnea. Assim sendo, essa flutuação é um dos fatores que temos que considerar no paciente com ceratotomia radial.

FEMTOSSEGUNDO

O uso do laser de femtossegundo teria algum efeito benéfico na melhor correção da ametropia e controle do glaucoma?

BF: Acredito na maior segurança, reprodutibilidade e resistência do flap quando ele é criado pelo laser de femtossegundo. Em relação à pergunta, não.

RA: O femtossegundo no LASIK tem vantagens relacionadas com a diminuição dos riscos de complicação, mas não posso usar o argumento de que terá menor alteração da pressão com o femtossegundo em relação ao corte lamelar. O impacto biomecânico é menor, a variabilidade do corte é menor, mas ainda não se pode afirmar que isso seja uma vantagem clínica para o paciente.

Algumas plataformas aumentam a PIO cerca de 60 mmHG durante a confecção do flap. Isso pode ser prejudicial em algum tipo de glaucoma ou em suspeitos?

PG : Pode levar a um dano naqueles pacientes que já tenham um dano maior. Naqueles pacientes que têm um nervo saudável, uma boa camada de fibras, é improvável que essa sucção do flap durante poucos segundos cause algum problema. Mesmo porque quando esse paciente vai fazer uma faco a PIO vai lá para as alturas.

CORREÇãO DA AMETROPIA EM PACIENTES COM GLAUCOMA

Em um caso em que está indicada a cirurgia de glaucoma e é desejável a correção de ametropia, que estratégia usaria?

WL: Considerando uma escala de prioridade, se já estou indo para uma cirurgia de glaucoma, provavelmente, isso está muito à frente de uma cirurgia refrativa e eu não faria nenhuma mudança em função disso.

PG: Depende da idade. Se o paciente é jovem, abaixo de quarenta anos, que tenha indicada uma cirurgia de glaucoma e uma ametropia alta, eu não mexo na ametropia e contraindico uma cirurgia refrativa. Se o paciente tem GAA, é jovem e tem alta miopia, a indicação é fazer a técnica menos invasiva possível para evitar um risco de hipotonia no pós-operatório. A técnica que escolho é a cirurgia não penetrante, ou poderia mesmo tentar um MIGS. Se o paciente é alto hipermétrope, se o ângulo estiver ainda aberto, tento fazer o procedimento não penetrante, procurando associar uma iridotomia a laser no local em que foi feita a não penetrante, para evitar uma hérnia de íris. Se o ângulo já estiver estreito, aı ́faço uma TREC. Agora, se tiver qualquer uma dessas ametropias e tiver mais de cinquenta anos de idade, indico a retirada do cristalino associada com a cirurgia do glaucoma, que pode ser a não penetrante ou a colocação do MIGS.

DROGAS ANTIGLAUCOMATOSAS PóS-CIRURGIA REFRATIVA

Na sua experiência, existe alguma droga antiglaucomatosa que não deva ser usada em pacientes submetidos à cirurgia refrativa?

WL: Na prática, não vejo nenhum tipo de problema específico. Hoje em dia, a gente vê pacientes com glaucoma tanto com RK quanto LASIK e eu não vejo problemas com nenhuma das drogas especificamente.

PG: Em princípio, não teria contraindicação. O paciente que fez a cirurgia refrativa recente tem uma propensão a ter alteração da superfície ocular, ressecamento, ceratite, alteração da inervação, que podem levar à diminuição da sensibilidade, o que leva ao olho seco. Se o paciente estiver usando uma ou várias drogas com muito conservante, pode ter mais ressecamento e pode não sentir a gravidade do ressecamento pela diminuição da inervação da córnea. Mas, no geral, não há tanta contraindicação. Existe a contraindicação dos inibidores da anidrase carbônica, mas pela preocupação em relação à diminuição das células do endotélio. Nesse caso, seria uma contraindicação da parte refrativa.

Nesses casos, haveria alguma chance de indicar o SLT?

PG: Sim, claro, seria uma indicação boa nesses casos em que há alteração da superfície ocular, para poupar a superfície ocular do uso de conservante e medicação.

O SENHOR JÁ DETECTOU ALGUMA COMPLICAÇãO DE CIRURGIA REFRATIVA ATRIBUÍDA AO GLAUCOMA?

SK: Tive dois casos: (1) um em que o glaucoma prévio descompensou após o PTK, provavelmente devido ao uso de corticoide; (2) e outro pós-LASIK , onde o aumento da PIO no pós-operatório devido ao corticoide provocou edema na interface. Ambos melhoraram com a suspensão do corticoide e uso de colírios antiglaucomatosos. Não lembro de nenhum caso onde a paquimetria tenha atrapalhado o diagnóstico ou acompanhamento do glaucoma.

ALTA MIOPIA

Pacientes com alta miopia são por natureza difíceis de serem diagnosticados ou de terem acompanhamento do glaucoma. Como proceder?

WL: Na verdade, a gente tem um problema grande nesses casos, porque os míopes, especialmente altos míopes, já têm algumas alterações de fundo de olho que fogem do padrão, dificultando diagnóstico de glaucoma. Os exames complementares também acabam sofrendo com mais artefatos e variações. Assim, muitas vezes, o acompanhamento nos mıó pes é feito por meio da pressão. Se eles fazem a cirurgia refrativa e essa variável é alterada, estaríamos causando uma maior falta de confiabilidade. Mas acredito que, apesar disso, a gente consegue inferir uma possível progressão avaliando tanto a estrutura quanto a função. Por exemplo: no paciente que tem córnea muito fina porque fez cirurgia refrativa e tem glaucoma, às vezes, você constata pressão baixa. Nessa hora, você não sabe se o paciente está progredindo ou não. Via de regra, esses pacientes já têm comprometimento do campo visual e é o campo visual que vai ajudar a definir o procedimento. O campo visual do olho mıó pe de um adulto já estável não fica mudando; e se está mudando eu sou levada a acreditar que se trata de glaucoma, o que significa que a função vai me ajudar mais do que a avaliação estrutural.

PG: O alto míope tem vários fatores de complicação para o diagnóstico de glaucoma. Um deles é a avaliação do nervo óptico, que pode estar prejudicado pelo estiramento do polo posterior. A camada de fibras nervosas tem uma espessura mais fina em comparação aos olhos emétropes. Os campos visuais podem ter alterações próprias. E se fizermos a cirurgia refrativa vai surgir outro fator de confusão, que é a córnea. Esses fatores se somarão e prejudicarão o acompanhamento. Nesses casos, como no alto míope, o melhor é fazer um baseline do próprio paciente. Começa-se o acompanhamento e, independentemente da medida da córnea e da camada de fibras nervosas, são feitos exames basais. A partir daí fazem-se exames sucessivos para comparar com aquele primeiro. Fatores de confusão não estão contidos no banco de dados do aparelho. Glaucoma, na grande maioria das vezes, é uma doença que progride lentamente; logo, há tempo de criar um baseline e acompanhar ao longo do tempo. Quanto mais exames forem feitos no início, melhor ideia de progressão se terá com o tempo. Regra: nos primeiros dois anos, fazer aproximadamente seis exames.

Como a ISRS avalia essa questão?

MS: Definitivamente, não é uma contraindicação absoluta e deve ser avaliado caso a caso. A cirurgia refrativa com excimer laser torna a córnea mais fina e altera a sua força tensional. é importante entender que essa combinação de eventos apenas raramente altera a pressão intraocular mas sim a sua aferição através de métodos que consideram a espessura da córnea na determinação da PIO, como a tonometria de Goldmann. Em casos confirmados de GCAA, deve-se avaliar o estágio e grau de comprometimento da doença. Casos muito avançados, com mais de uma droga ou pós-cirurgia filtrante podem não ser bons candidatos. Casos moderados com a doença sob controle podem ser submetidos a cirurgia refrativa, evitando picos pressórico de LASIK, dou preferência a cirurgia de superfície, como PRK. Após a cirurgia, o ideal é que o acompanhamento do glaucoma ocorra com testes funcionais e anatômicos além da medida de PIO. Mesmo em pacientes que não tem glaucoma documentado, em candidatos a cirurgia refrativa com excimer laser é fundamental estudar a história familiar além de se determinar o padrão de PIO do paciente, para melhor monitoramento no futuro.

WRAP-UP

EV: Cada vez mais, recebemos pacientes suspeitos de glaucoma ou pacientes com glaucoma em tratamento procurando cirurgia refrativa, uma vez que a incidência de glaucoma é alta e a procura para a cirurgia refrativa cresceu bastante. Para isso, temos que analisar os seguintes critérios: (1) inicialmente, que o paciente seja bem controlado com medicação e que todos os exames de acompanhamento estejam atualizados para servir de referência no pós-operatório (Campimetria, OCT do nervo óptico, estereofoto de papila e outros exames que o glaucomatólogo costuma pedir). (2) Se já houver qualquer cirurgia antiglaucomatosa anterior, já demonstra que o caso é mais importante, não indicando a cirurgia refrativa. (3) E muito importante que o especialista em glaucoma, que acompanha esse paciente, tenha ciência do interesse dele pela cirurgia refrativa e que autorize ou não a cirurgia refrativa, desse modo, só realizo a cirurgia com autorização do especialista em glaucoma. (4) O paciente deve estar ciente da interferência da cirurgia refrativa na medida da tonometria de Goldman, e explicar que sua pressão será hipoestimada devido à alteração na estrutura da córnea pela cirurgia, e deverá manter o acompanhamento do pós-operatório no seu especialista em glaucoma e de cirurgia refrativa. (5) Preferencialmente, indico o PRK, apesar do uso de corticoide, prescrevo aqueles que teoricamente intervém menos na PIO. (6) Quando a indicação do LASIK é melhor, indico a confecção do flap com femtossegundo, pois a sucção é menor em comparação à do microcerátomo. (7) Muito importante o controle rigoroso da PIO nos primeiros dias de pós-operatório pelo uso do corticoide, assim como o acompanhamento rigoroso do glaucoma, como feito no pré- operatório.