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Refrativa

Cirurgia incisional na correção do astigmatismo durante a facoemulsificação


Artigo de Refrativa – Edição 173

Autor do Artigo: Ramon Coral Ghanem


Há mais de um século, são utilizadas incisões limbares e corneanas para correção de astigmatismo durante a cirurgia de catarata. Em 1885, Schiotz descreveu a realização de incisões relaxantes limbares (LRI). Em 1939, Sato apresentou sua técnica de ceratotomia radial anterior e posterior, dando início à era da cirurgia incisional corneana. Algumas décadas depois, foram descritas as cirurgias arqueadas e transversais corneanas para redução de astigmatismo.

Atualmente, as formas mais utilizadas de cirurgia incisional durante a facoemulsificação são a (1) incisão relaxante limbar (Limbal Relaxing Incision – LRI) e a (2) ceratotomia arqueada (Arcuate Keratotomy – AK). Ambas as técnicas podem ser feitas utilizando-se bisturis calibrados ou o laser de femtossegundo (femto).

Figura 1 – Aspecto pós-operatório de incisões relaxantes limbares de 50 graus de arco no eixo mais curvo (90 graus) superior e inferior (setas marcam início e término das LRIs). Incisão de faco (cabeça de seta) criada dentro da LRI superior

Incisão Relaxante Limbar (LRI)

As LRIs são incisões relaxantes realizadas na córnea periférica (justa-límbica), no meridiano mais curvo, de profundidade usual de 600 micra e comprimento de arco variável, de acordo com a quantidade de astigmatismo a ser corrigido (Figura 1). Devido a seu potencial limitado de correção, são geralmente utilizadas para corrigir graus baixos ou moderados de astigmatismo (até cerca de 3 dioptrias (D)). Suas vantagens são a alta segurança, simplicidade e baixo custo. São também raras as hipercorreções; há rápida recuperação e estabilização visual (poucas semanas) e a qualidade óptica da córnea é preservada. Como desvantagens, temos a capacidade limitada de correção astigmática, mesmo com incisões de grande comprimento de arco e a menor previsibilidade se comparada às lentes tóricas, principalmente nos altos astigmatismos.

Entre os fatores que impactam o resultado de uma LRI podemos citar: (1) número de incisões (1 ou 2); (2) comprimento e localização das incisões – quanto maior e localizada no meridiano vertical (withthe- rule (WTR)), maior a correção; (3) distância do limbo (quanto mais corneana, maior a correção); (4) quantidade de astigmatismo pré-operatório (quanto maior, maior o efeito); (5) diâmetro corneano; (6) idade e (7) profundidade das incisões.

O nomograma de Nichamin é ainda hoje o mais utilizado quando da realização de LRIs3 (Figura 2). Ele leva em conta a magnitude e orientação do astigmatismo pré-operatório e a idade do paciente. A incisão de faco é considerada neutra e o autor sugere a confecção de incisão clear cornea temporal, devido à menor indução de astigmatismo. As LRIs são sempre de 600 micra e realizadas no meridiano mais curvo. Outra opção quando o cirurgião prefere operar em outro local é a utilização da calculadora on-line, www.LRIcalculator.com (Figura 3), que ajusta por cálculo vetorial a influência da incisão de faco no astigmatismo a ser corrigido. Ela também permite a utilização do nomograma de Donnenfeld para a LRI, assim como o de Nichamin.

Em nosso serviço, utilizamos o nomograma de Nichamin, visando leve hipocorreção (0,5 D) nos casos de WTR e leve hipercorreção nos casos de astigmatismo contra-a-regra (ATR), compensando assim o astigmatismo da face posterior da córnea. Avaliamos qualitativamente o astigmatismo através da topografia e/ou tomografia corneanas e quantitativamente (magnitude e orientação) através da biometria óptica (IOL Master 700, Carl Zeiss, Alemanha). Contraindicamos LRIs em astigmatismo irregular (por exemplo, ceratocone ou degeneração marginal pelúcida), após cirurgia corneana incisional prévia (por exemplo, ceratotomia radial) e após cirurgia fotoablativa prévia (por exemplo, LASIK e PRK). Para controle da ciclotorsão, é fundamental a marcação do eixo mais curvo na lâmpada de fenda, com o paciente sentado ou o uso do Verion no intraoperatório (Figura 4).

A utilização do femto é possível e deve envolver também o controle torsional. Em geral, quando o femto é utilizado, as incisões são realizadas na córnea clara (Figura 5), com zona óptica um pouco menor do que na técnica manual, o que permite a correção de maior astigmatismo, porém, com maior risco de hipercorreções e complicações similares à AK. A confecção de incisões intraestromais com o femto é também possível, porém, é limitada para correção de baixos astigmatismos, mesmo com longos arcos incisionais.

Também entre as atualidades, incluímos o uso intraoperatório do ORA (Alcon, Estados Unidos). Ele permite a avaliação refracional dinâmica do astigmatismo durante a cirurgia (Figura 6).

Ceratotomia Arqueada (AK)

A AK consiste num procedimento similar, porém, realizado na córnea clara, com zonas ópticas menores, variando de 6 a 8 mm. É confeccionada com bisturis de diamante calibrados de acordo com a espessura corneana local (frequentemente 95% da espessura) ou com femto. Tem a vantagem do maior poder de correção astigmática, porém, pode causar astigmatismo irregular, hipercorreção tardia progressiva (após vários anos), maior desconforto ocular e risco de perfuração. É, assim, pouco utilizada atualmente durante a faco de olhos virgens. Sua utilização é reservada para os astigmatismos consecutivos ao transplante de córnea lamelar ou penetrante (Figuras 7 e 8 A e B). Nos lamelares, deve-se ter cuidado para evitar hipercorreções, que são frequentes.

Figura 7 – Aspecto biomicroscópico após seis meses de femto-AK para alto astigmatismo após DALK para ectasia consecutiva à ceratotomia radial. Note o arco incisional de 40 graus superior e inferior (início e término das setas)