Síndrome do cristalino disfuncional (Dysfunctional Lens Syndrome – DLS) é um termo cada vez mais aceito na Oftalmologia. Isso porque DLS abrange as alterações naturais e degenerativas que ocorrem no cristalino, com o envelhecimento de todo e qualquer paciente. Adicionalmente, como o termo serve para educar os pacientes e orientar sobre as possibilidades de tratamento, DLS pode servir tanto no meio científico como para nos ajudar na comunicação com a sociedade geral.
Podemos considerar basicamente as duas funções distintas do cristalino, que é o segundo componente (depois da córnea) mais importante do olho como sistema óptico: a acomodação e a transmissão da luz para focalização na retina. Tipicamente, a presbiopia se inicia em meados da quarta década de vida como uma condição progressiva. Sabemos que a perda da capacidade de acomodação, que é a mudança do foco do ‘infinito óptico’ de seis metros para objetos próximos, ocorre de forma progressiva, mas variável, entre pacientes. Entretanto, apesar da variabilidade na idade crítica para a presbiopia se manifestar, essa ocorre em todos os seres humanos (e também em outros primatas e outros animais). Posteriormente, a perda progressiva da transparência do cristalino (catarata) passa a ter significância entre a quinta e sétima décadas de vida. Condições genéticas e ambientais (como, por exemplo, estilo de vida e hábitos alimentares) podem influenciar a idade em que essas condições se manifestam, bem como a progressão clínica de cada uma. Algumas situações clínicas, como a catarata corticogênica, podem estar relacionadas com a perda da transparência ocorrer antes da perda da acomodação.
Considerando a contínua e acelerada evolução da cirurgia refrativa, observa-se a necessidade de métodos de diagnóstico mais detalhados para a caracterização da disfunções do cristalino, bem como uma revisão do conceito de catarata. Essa evolução se mostra fundamental para possibilitar o estadiamento e a compreensão dessas alterações, bem como ajudar na decisão clínica. De fato, o entendimento deste estadiamento é fundamental para o planejamento personalizado da cirurgia refrativa da disfunção do cristalino, que pode abranger desde procedimentos realizados na córnea, implante de lente intraocular fácica e a extração do cristalino com implante de lente intraocular (pseudofácica).
Destaca-se que este tema é um dos mais relevantes e dinâmicos para a Oftalmologia. Alió e colaboradores, num estudo transversal incluindo pacientes entre oito e 80 anos com acuidade visual de 20/25 ou melhor (sem catarata significante), observaram uma degradação da qualidade óptica do cristalino com o envelhecimento, associada ao aumento da espessura e da densidade óptica do cristalino.
Waring e Rocha descreveram o termo DLS e as correlações entre a opacidade do cristalino observada com imagem de Scheimpflug e o índice objetivo de dispersão óptica (objective scatter index – OSI) obtido por estudo de dupla passagem.
Faria-Correia e colaboradores realizaram diversos estudos para caracterizar a evolução do cristalino disfuncional com catarata de acordo com as imagens de Scheimpflug, aberrometria por ray-tracing e parâmetros da facodinâmica intraoperatórios.
Neste artigo, sugerimos um estadiamento para o “cristalino disfuncional”, o que pode facilitar na decisão clínica sobre a abordagem refrativa eletiva mais adequada, considerando as atuais opções existentes e perspectivas futuras. Este estadiamento complementa as classificações de estadiamento subjetivas da catarata, como o sistema de opacificação do cristalino (LOCS III), que pode ser feito de forma mais objetiva ao utilizarmos métodos de imagem digital da retroiluminação, densitometria de Scheimpflug, ou mesmo a aberrometria e o estudo de dupla passagem.
Tentativas anteriores de estadiar a DLS não foram unanimemente reconhecidas e aceitas. Por exemplo, Waring e Rocha6 adaptaram a proposta inicial de Dan Durrie (ISRS/AAO 2016) e definiram em três estágios: perda de acomodação (estágio 1), aumento das aberrações de alta ordem (HOA) e dispersão da luz com con- sequente diminuição da sensibilidade ao contraste (estágio 2) e catarata clinicamente significativa com visão funcional diminuída (estágio 3). Fernández et. al. definiram de forma similar, separando a presbiopia em pacientes de 42 a 50 anos e os estágios 2 e 3 caracterizados por perda progressiva da qualidade de visão.
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AUTORES
JORGE SELEM HADDAD
Doutorando em Oftalmologia da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).
RENATO AMBRÓSIO JR.
Presidente da ISRS (2020-22). Professor Adjunto da UNIRIO e professor afiliado da pós-graduação da Unifesp. Diretor clínico da VisareRIO – Refracta Personal Laser. Fundador e coordenador científico do Grupo de Estudos de Tomografia e Biomecânica de Córnea do Rio de Janeiro.