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Catarata

Sistema 3D para cirurgia de catarata


Artigo de Catarata – Edição 172

Autor do Artigo: Durval M. Carvalho Jr.


Recentemente, tive a experiência de realizar a cirurgia de catarata com o sistema 3D e gostaria de compartilhar os meus achados com vocês. O mecanismo 3D funciona basicamente na busca pela estereopsia, que oferece a noção de profundidade necessária, sendo obtida pela sobreposição de duas imagens de angulações discretamente diferentes.

A proposta de usar a imagem 3D na Oftalmologia para cirurgia é antiga. Primeiramente, o 3D era usado somente para apresentação, onde duas câmeras eram acoplados no divisor de luz do microscópio, uma para cada ocular, portanto, captando imagens de diferentes angulações. Entretanto, a cirurgia não mudava para o cirurgião que continuava operando usando as mesmas oculares com a imagem óptica real.

Empresas como a True Vision, há anos, apresentam nos estandes dos congressos internacionais uma demonstração dessa tecnologia, mas, atualmente sua parceria com a Alcon trouxe o NGenuity. Essa nova proposta se difere, pois as oculares do microscópio são substituídas por um conjunto de câmeras, onde o cirurgião não mais segue a cirurgia pelo microscópio, e sim pela tela de TV (Figura 1). A princípio, essa nova tecnologia foi apresentada para a cirurgia de retina por apresentar um campo visual maior, mas logo observamos que poderia ser útil também para segmento anterior, principalmente para catarata.

Tecnologia 3D

Existem algumas possibilidades de conseguir a sensação de imagem 3D através de uma projeção, mas a maioria delas com uso de óculos. A mais comum é distinguir as imagens através das cores, usando lentes de cores diferentes. Apesar da vantagem de não necessitar de adaptações à TV, ao projetor e até mesmo podendo ser impressa, não oferece uma boa definição e conforto visual.

Imagens simultâneas de melhor qualidade são obtidas com o uso de dois projetores e filtros polarizados, sejam lineares ou circulares. A dificuldade e o alto custo em montar todo a aparelhagem necessária como dois projetores, computador, tela e filtros específicos, fazem com que essa tecnologia fique restrita mais aos cinemas e a raras apresentações em congressos.

A incorporação do 3D para as TVs aumentou o interesse nessa tecnologia. A primeira opção a ser aplicada foi a alternância de imagem com o uso combinado de óculos ativos (elétricos), que alternavam a percepção de cada olho sincronizando com as imagens que também se alternavam na tela de TV. Apesar de alcançar um alta definição acabou caindo em desuso, devido à sua visualização ficar cansativa em apresentações prolongadas, além dos óculos ativos terem um maior custo.

A evolução para os óculos polarizados passivos (não elétricos) ganhou qualidade quando as TVs conseguiram mixar as duas imagens em uma somente. Primeiramente, as imagens tinham sua qualidade reduzida pela metade para serem agrupadas, mas ainda não se alcançava uma qualidade full HD (1080) para cada olho. Com o advento de formatos mais avançados como o “Frame-Packed”, entrelaçamento de pixels e das TVs 4K, de altíssima resolução, foi viabilizada a preservação da qualidade de cada imagem, oferecendo uma alta resolução para cada olho, diferentemente dos formatos antigos (Figura 2).

O sistema 3D testado foi o NGenuity (Alcon), que constitui uma tela de 55 polegadas de altíssima resolução acoplada a um computador próprio e dedicado para essa atividade. A imagem pode ser ajustada para segmento anterior ou posterior e quanto ao brilho e contraste. As cirurgias podem ser gravadas em 3D ou 2D, mas como são de alta resolução é recomendável utilizar um HD externo de maior capacidade. Para uma melhor percepção do cirurgião, a tela deve estar voltada para o cirurgião, pois sua inclinação faz perder a qualidade de imagem e o efeito tridimensional. O cirurgião deve usar os óculos polarizados durante toda a cirurgia, apesar de haver a proposta de, em um futuro breve, esses não serem mais necessários.

Qualidade de imagem

Apesar de estar mais habituado com a qualidade de imagem do microscópio, fiquei surpreso com a definição encontrada através do alto poder de ampliação. Consegui melhorar a definição, muito comparável ao microscópio, quando aproximei a tela a 1,60m de distância e zoom deixando de limbo a limbo por volta de 60 cm.

Situações de maiores detalhes como capsulorrexe, restos de núcleo na câmara anterior, polimento de cápsula, não foram impedimentos para esse novo sistema.  Em  um caso de subluxação, foi possível não somente identificar muito bem uma trave vítrea, mas também a sua remoção com a vitrectomia anterior.  Enquanto a percepção de profundidade pareceu ser um pouco mais real no microscópio, no sistema 3D, apresentou uma amplitude de foco maior, tendo que corrigir bem menos a altura do foco no pedal (Figura 3). Foi possível deixar focalizado, ao mesmo tempo, desde parte do saco capsular até a córnea, otimizando a cirurgia. O pequeno “delay” na imagem que é descrito não foi perceptível, mas uma rápida movimentação  em diferentes alturas pode diminuir a sua naturalidade. Esse efeito vai diminuindo com um aumento no número de casos, podendo indicar que vai havendo uma adaptação de profundidade a esse novo sistema de variação de foco.

Ergonomia

Quanto à posição do cirurgião, achei ser uma das principais vantagens, pois enquanto no microscópio temos uma posição muito restrita, o sistema 3D permite você sentar mais confortável na cadeira como se estivesse operando numa poltrona com a liberdade maior de movimentos. Quem agradece é a coluna, apesar de você ter que girar um pouco o pescoço para o lado para desviar do suporte da cabeça do microscópio. Uma nova proposta de microscópio está surgindo para o sistema 3D, onde a fixação da cabeça do microscópio é lateral, permitindo que o cirurgião consiga assistir a TV por cima desse, sem a necessidade de girar a cabeça.

Interação com os Aparelhos

Uma descoberta agradável foi saber que o sistema de imagem Verion combina muito bem com o 3D, sendo bem notável, não comprometendo a percepção tridimensional das imagens e permitindo ser gravado, que é um problema quando a câmera do microscópio é embutida abaixo (Figura 4). Não somente a identificação das marcações da tórica, mas também os parâmetros do facoemulsificador. Há uma proposta do sistema de imagem para tórica já vir no próprio sistema 3D, o que facilitaria muito.

O sistema 3D NGenuity foi referido permitir a interação com o sistema de endoscopia, o que facilitaria em muito, pois o cirurgião não precisaria alternar a visualização entre dois aparelhos, podendo acompanhar simultaneamente tanto a imagem do microscópio como a do endoscópio.

Os aberrômetros intraoperatórios, como o ORA (Alcon), não competem com o sistema 3D, pois utilizam a parte de baixo do microscópio, enquanto o sistema 3D ocupa a parte de cima.

Ensino

Quem também gostou muito foram os nossos residentes e fellows, pois conseguiram acompanhar com o mesmo nível de detalhes a visão do cirurgião, sendo disponibilizado para um grupo maior, antes somente restrito ao privilegiado das oculares do “carona” (Figura.5). Portanto,  também mostrou ser muito útil para o ensino. Foi referido no sistema NGenuity existir a possibilidade de fazer uma extensão a um outro monitor 3D, que seria posicionado no lado de fora da sala cirúrgica, permitindo a mais pessoas assistirem, sem comprometer o ambiente cirúrgico.

Sala Cirúrgica

Se o ambiente da sala cirúrgica já estava congestionado com tantos aparelhos como microscópio, maca e mesa cirúrgica, facoemulsificador, sistema de identificação de imagem, cadeiras do cirurgião e auxiliar e carrinho de anestesista, agora tem que comportar mais uma tela de 55 polegadas no meio da sala. Se por um lado dificulta o acesso do anestesista ao paciente, o cirurgião pode até ter que interromper a cirurgia quando alguém obstrui a sua visualização da tela. Com o tempo, vai havendo uma melhor coordenação entre a equipe, melhor disposição dos aparelhos, além do que o próprio cirurgião pode descentrar o olho na tela, evitando ser interrompido.

Instrumentação Lado a Lado

Uma surpresa foi quando resolvemos reposicionar a instrumentadora, que antes ficava de frente para o olho a ser operado e passou a se virar para a TV, se posicionando ao lado e paralelamente ao cirurgião (Figura 6). Isso somente foi possível devido à instrumentação da cirurgia de catarata se basear mais na lubrificação do olho e ao repasse dos instrumentos, que podem ser realizados lateralmente, diferentemente de outras especialidades. A grande vantagem é que o instrumentador participa mais da cirurgia, acompanha todos os passos com muito mais detalhe, acertando mais os tempos,  passa a entender os motivos, começando a prever a variação de instrumentos. Alguns preferem ficar sem os óculos para ver melhor os instrumentos na mesa.

Experiências e Expectativas

Comparando meu tempo cirúrgico, aumentado no primeiro dia na sala com o sistema 3D, ele passou a ser semelhante ao do microscópio convencional no segundo dia cirúrgico. Portanto, apesar de ter uma curva de aprendizagem, essa tem se mostrado pequena em frente a esta grande mudança. No início ficava torcendo para cair na sala do 3D por motivo de curiosidade, depois passou a ser para melhorar a curva de aprendizagem e, atualmente, tenho procurado pelo conforto. A segurança com essa tecnologia tem aumentado cada vez mais e espero aumentar ainda mais a admiração com o tempo.

Acredito que o sistema 3D para a cirurgia de catarata abra um novo horizonte onde poderemos aproximar mais os exames à cirurgia (Figura 7), poder interagir mais com a programação cirúrgica (Figura 8) e, talvez, venha a ser o primeiro degrau rumo à robótica na Oftalmologia.