Entrevistador:
EMILIO A. TORRES-NETTO
Especialista em córnea, catarata e cirurgia refrativa, com formação pela Stanford University School of Medicine (EUA), Santa Casa de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e Fondation Ophtalmologique Adolphe de Rothschild (França). Atualmente, ele é médico do ELZA Institute e University of Zurich (Suíça).
Imagine chegar a um bar e, na mesa ao lado, estão Theo Seiler e Fahard Hafezi conversando sobre os 20 anos da criação do crosslinking.
Eles relembram os fatos curiosos, as dificuldades, as piadas. Riem, contam histórias antigas e revelam como tomaram decisões importantes, como a de não patentear o tratamento.
Pois a Oftalmologia em Foco presenciou esse bate-papo. Não foi exatamente num bar. Foi no Congresso de CXL em Zurique, no final de 2019. Mas o clima descontraído e amigável era o tom dessa conversa entre mestres, que foi conduzida e registrada pelo editor de cirurgia refrativa da OF, Emílio Torres Netto. Divirta-se!
Como surgiu a ideia do crosslinking?
Theo Seiler: Você se lembra que nós fizemos estudos biomecânicos, na Universidade de Dresden, e sempre tentávamos enrijecer a periferia da córnea para fazer correção de hiperopia? Então. Nós tínhamos duas horas de discussão sobre Oftalmologia experimental toda sexta de manhã.
Durante uma dessas discussões, que tivemos com o Dr. Spoerl, nós dissemos: “Ei, nós gostaríamos de obter o oposto: não reforçar… Quero dizer, não afrouxar a córnea com temperatura, mas torná-la mais forte contra o ceratocone”.
Na ocasião, ninguém tinha nenhuma ideia a respeito. Mas foi mencionado. Em seguida, nós abandonamos a ideia.
Eis que, acidentalmente, na semana seguinte, numa terça-feira, eu tive que consultar o meu dentista. Eu tinha muitos dentes ruins. Então, ele fez aquele furo, um buraco, e colocou um preenchimento. De repente, ele introduziu uma luz azul. Eu perguntei: “O que você está fazendo?”. Ele respondeu: “Estou endurecendo o preenchimento”. Foi nesse momento que pensei: “se eles podem endurecer o preenchimento, talvez nós pudéssemos endurecer a córnea da mesma forma”.
Na sexta-feira seguinte, voltei à clínica para mais uma discussão. Foi quando eu disse: “Ei, dentistas estão fazendo um ótimo trabalho com ultravioleta. Será que nós poderíamos fazer algo também com a córnea?”
Foi quando houve uma Reunião da Sociedade Internacional de Óptica e Fotônica, e nós tínhamos um artigo sobre crosslinking de colágeno e soluções. Com base nisso, nós descobrimos que há aproximadamente dez substâncias diferentes que poderiam ser ativadas para criar crosslinking fotoinduzido. Naquele momento, nós tínhamos o projeto inteiro. E Spoerl e eu conversávamos toda semana sobre “achar isto, achar aquilo…”.
No final das contas, descobrimos que o crosslinking mais poderoso era feito pelo Sol. Usamos luz solar por dois dias, com riboflavina e, adicionalmente, com glicose 0,05%. Mas teria levado vinte dias para se chegar a uma córnea bem forte e rígida.
Ambos não eram muito práticos e, por isso, procuramos outro artigo. Desistimos rapidamente da Rosa Bengala, pois descobrimos que a córnea ficava manchada de rosa, fato que queríamos evitar, por várias razões. Por outro lado, havia a riboflavina, que desaparecia da córnea dentro de algumas horas. E então, fizemos experimentos em animais.
Hafezi: Tinha uma anedota sobre isso… Certa vez perguntei ao Eberhard Spoerl o porquê de vocês arranjarem 3 mW/cm2 num LED. Por que vocês não escolheram 6mW/cm2 ou 9mW/cm2? E ele me disse: “Isso foi nos anos 90, esse era o LED mais forte disponível no mercado. Não é verdade? Então não poderíamos aumentar”.
Seiler: Exatamente. Sim. Não, não poderíamos aumentar. Foi assim que nós começamos.
Dois anos depois, recebemos um modelo com irradiâncias mais elevadas de uma companhia de Viena. Mas, no final das contas, não era muito prático e não tinha o mesmo efeito. Por isso, mantivemos os 3 mW/cm2. E, na verdade, nós não estávamos iniciando com LED. Quando começamos, nos anos 1994 e 1995, não havia LED na União Europeia. Iniciamos com lâmpada de vapor de mercúrio. Nós tínhamos que ter uma lâmpada de vapor de mercúrio, que fosse de um tamanho específico e um cabo enorme de luz. Também, naquele momento, nós não podíamos fazer mais do que 3 mW/cm²..