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Artigos Técnicas Cirúrgicas

Dicas para o sucesso em transplantes endoteliais, por Nicolas Cesário

 

Nicolas Cesário Pereira
Oftalmologista do Banco de Olhos de Sorocaba

 

 

Os transplantes endoteliais são indicados nas córneas com disfunções endoteliais, sem cicatrizes ou irregularidades importantes do estroma e superfície anterior da córnea. Quando comparados ao transplante de córnea penetrante, oferecem uma reabilitação visual melhor e mais rápida, com mínima alteração do poder refrativo, mínimo astigmatismo induzido, menos complicações relacionadas à superfície ocular, menor taxa de rejeição, além de ser uma cirurgia mais segura e com menor necessidade de cuidados no pós-operatório. Entre as técnicas cirúrgicas atual- mente mais realizadas de transplante endotelial estão o DSAEK (do inglês, Descemet Stripping Automated Endothelial Keratoplasty) e o DMEK (do inglês, Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty).

No DSAEK, a membrana de Descemet é retirada se- letivamente junto com o endotélio da córnea receptora através do stripping. O enxerto, que consiste de membrana de Descemet com endotélio e parte do estroma posterior, é preparado utilizando microcerátomo. Depois de trepanar a córnea, o enxerto é inserido na câmara anterior, onde uma bolha de ar é injetada para mantê-lo posicionado. Atualmente, o DSAEK é a técnica de transplante endotelial mais realizada, pois, além de oferecer bons resultados com baixo índice de complicações, é altamente reprodutível, com curva de aprendizado curta. Quando um microcerátomo não está disponível, existe a possibilidade de preparar o enxerto com dissecção manual. Nesse caso, a técnica é conhecida como DSEK (do inglês, Descemet Stripping Endothelial Keratoplasty). Apesar da vantagem de não precisar de um microcerátomo para preparar o enxerto no DSEK, o preparo manual é menos reprodutível, com maior curva de aprendizado e maior risco de perfuração com perda do botão, além do risco de dissecção superficial e/ou irregular levando à baixa qualidade visual.

Iridectomia inferior periférica realizada no intraoperatório: demonstração da técnica.

No DMEK, a membrana de Descemet é retirada seletivamente junto com o endotélio da córnea receptora através do stripping, com mesma técnica utilizada no DSAEK. Mas o enxerto, que é preparado manualmente, consiste apenas de membrana de Descemet com endotélio, sem estroma associado. A membrana de Descemet enrola com o endotélio por fora após o preparo e isso ajuda a confirmar sua orientação correta. Depois de inserido na câmara anterior, o enxerto deve ser aberto antes de injetar bolha de ar para mantê-lo posicionado. No DMEK, é mantida a anatomia normal da córnea, substituindo membrana de Descemet e endotélio receptor por enxerto, que consiste apenas de membrana de Descemet e endotélio, com interface mais adequada, fornecendo o máximo potencial visual. No DMEK, os resultados visuais são melhores, com recuperação visual mais rápida, menos rejeição e menor indução de erros refrativos quando comparado ao DSAEK e DSEK. A perda endotelial e os riscos cirúrgicos são similares. As taxas de descolamento do enxerto no pós-operatório, necessitando de injeção de ar e falência primária, também são similares após curva de aprendizado do DMEK.

Mas, o DMEK é mais difícil, com curva de aprendiza- do maior. Mais descolamentos do enxerto e falência primária são esperados no início da curva de aprendizado. Num estudo multicêntrico em que 18 cirurgiões experientes realizaram 431 DMEKs durante a curva de aprendizado, foram relatados 23,7% de descola- mentos com necessidade de injeção de ar e 18,3% de falência. Essas taxas são maiores do que em DSAEK. Sobre esse último, uma revisão relatou média de 14% de descolamento e 5% de falência. Um estudo sobre resultados de DMEK, realizado por estagiários de córnea no Hospital Oftalmológico de Sorocaba durante início da curva de aprendizado, mostrou 17% de descolamento com 5,7% de falência primária – resultados muito parecidos com a média de complicações em DSAEK, mostrando que é possível ter índice de complicações similar ao DSAEK desde o início da curva de aprendizado em DMEK.

Para conseguir bons resultados com baixo índice de complicações desde o início da curva de aprendizado, é necessário treinamento e técnica adequada. A participação nos wet labs ajuda muito no treinamento, principalmente sob orientação de cirurgião experiente nas técnicas cirúrgicas. Esse treinamento pode ser realizado com córneas humanas não viáveis para transplante, ficando muito semelhante com a cirurgia em pacientes reais.

Inicialmente, é importante que o cirurgião consiga preparar adequadamente o enxerto. Em alguns países, é possível receber o enxerto preparado pelo Banco de Olhos, mas essa ainda não é a realidade no Brasil. A participação em cursos e wet labs com córneas humanas não viáveis para transplante possibilita o treinamento ideal para passar a curva de aprendizado no preparo do enxerto. Passar pela curva de aprendizado dos transplantes endoteliais preparando o enxerto com segurança facilita o aprendizado e deixa o cirurgião mais seguro nos primeiros procedi- mentos. O preparo para DSAEK inicialmente é mais reprodutível, por ser realizado com microcerátomo. Mas é importante se familiarizar com o aparelho que será utilizado. O preparo para DSEK e DMEK é realizado manualmente e o treinamento deve ser realizado em um número maior de córneas para passar a curva de aprendizado com segurança.

Nos transplantes endoteliais é importante inicialmente evitar pressão positiva, que é uma das principais causas de dificuldade de manipular o enxerto, principalmente no DMEK. Além disso, dificulta manter bo- lha de ar na câmara anterior, aumentando o risco de descolamento e falência. Para evitar pressão positiva, pode ser adotada posição de anti-Trendelenburg, massagem ocular ou baroftalmo nos bloqueios, além de checar a pressão causada pelo blefarostato. Se o paciente ainda estiver com pressão positiva, pode ser utilizada medicação sistêmica como Manitol intravenoso para baixar a pressão intraocular. Como é necessário manter uma bolha de ar na câmara anterior dos olhos submetidos a transplante endotelial, existe risco de bloqueio pupilar. Para diminuir ao máximo esse risco, uma iridectomia inferior periférica deve ser realizada.